Na última quinta-feira (16), um episódio alarmante sacudiu a rotina da Câmara Municipal de João Pessoa: o vereador Carlão Pelo Bem (PL) sofreu uma tentativa de agressão a faca dentro do próprio gabinete. O suposto autor do ataque, contido antes de consumar o ato, apresentava sinais evidentes de perturbação mental. O fato, por mais isolado que possa parecer, reacende um debate urgente sobre a escalada da violência política no Brasil – um fenômeno que vem se agravando de forma notável desde a ascensão do extremismo.
É impossível dissociar a tentativa de ataque de um contexto político e social mais amplo. O ambiente tóxico e radicalizado que domina o debate público nos últimos anos criou as condições ideais para esse tipo de violência se manifestar com frequência preocupante. A polarização – que antes era marcada por rivalidades institucionais como PT e PSDB, durante os anos 1990 e 2000 – se transformou em um clima de hostilidade pessoal e ameaçadora com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder.
Historicamente, o Brasil nunca viveu um ambiente tão carregado de ódio político como o atual. Os embates entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, eram intensos, mas institucionalmente respeitados. A retórica era firme, mas os limites civilizatórios eram preservados. A ruptura desse pacto ocorreu quando Bolsonaro começou a construir sua trajetória política baseada no confronto, na negação do diálogo e na demonização dos adversários. Suas falas ao longo dos anos não apenas normalizaram o discurso de ódio, como o incentivaram.
O ex-presidente chegou a dizer em 2018 que “o erro da ditadura foi torturar e não matar” e que seus opositores deveriam “pegar o Araguaia e desaparecer”. Durante seu governo, insuflou seguidores a confrontar instituições democráticas e jornalistas, atacou o Supremo Tribunal Federal e deslegitimou o processo eleitoral com alegações infundadas. Esse discurso resvalou para as ruas, nas redes sociais e nos gabinetes legislativos país afora. O resultado é um país dividido, onde o adversário político passou a ser tratado como inimigo a ser eliminado.
Casos emblemáticos não faltam. O assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu, em 2022, durante sua própria festa de aniversário com temática do PT, por um bolsonarista armado que invadiu o local gritando palavras de ordem políticas, é um símbolo trágico do que se tornou a política brasileira. Antes disso, em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro também foi vítima de um atentado a faca em Juiz de Fora – ato igualmente injustificável e que deveria ter servido de alerta para o agravamento da tensão nacional.
No entanto, em vez de um chamado à pacificação, o ataque contra Bolsonaro foi explorado como símbolo de uma guerra santa política, retroalimentando a narrativa da violência como meio de resistência. O discurso da bala ganhou protagonismo. A linguagem violenta virou moeda política. O “nós contra eles” se tornou combustível diário em palanques, nas redes e em programas de TV.
O caso do vereador Carlão Pelo Bem, embora cometido por alguém supostamente com transtornos mentais, insere-se nesse cenário doentio. Não se trata apenas de falha na segurança – o que, por si só, já é grave em um espaço público como uma câmara legislativa. Trata-se de um sintoma da radicalização que atingiu até os espaços institucionais do poder local.
É urgente repensar o papel das instituições, da mídia e da sociedade civil na contenção desse ciclo. Não é mais admissível que o debate político seja pautado pelo medo, pelo ódio e pela violência. O Brasil precisa recuperar a capacidade de conviver com as diferenças. O enfrentamento das ideias deve ocorrer no campo do argumento, não da agressão.
Uma possível solução passa pela educação política nas escolas, pelo compromisso da imprensa em não amplificar discursos extremistas, pelo fortalecimento das instituições e pela responsabilização clara de quem promove, propaga ou financia a violência política. E mais: é preciso que os líderes – de todos os espectros – retomem o compromisso com o pacto democrático e deixem de lado a retórica incendiária que levou o país a esse estado de conflagração.
A tentativa de agressão contra o vereador Carlão não pode ser tratada como um caso isolado. Ela é mais um alerta de que a democracia brasileira está sendo testada todos os dias. E cabe a cada um de nós escolher se queremos alimentar o conflito ou reconstruir as pontes que o ódio político insistiu