Por mais que o jantar promovido por João Doria na noite de 30 de junho tenha sido vendido como um simples encontro entre amigos e admiradores do presidente da Câmara, Hugo Motta, o contexto político e os rostos presentes contam uma história bem diferente — e bem mais complexa.
O evento, realizado na luxuosa mansão de Doria no Jardim Europa, foi descrito por alguns como um tributo à “moderação” e ao “equilíbrio institucional”. Mas para o governo federal e setores progressistas, a reunião parece alimentar a tese de que há uma articulação — informal, porém poderosa — de setores da elite política e econômica para barrar qualquer avanço mais incisivo rumo a uma justiça fiscal no país.
A recente queda de braço em torno do aumento do IOF, que terminou com uma derrota expressiva do Planalto no Congresso, serve de pano de fundo para esse argumento. O imposto, que afetaria sobretudo operações financeiras de maior valor — e, portanto, quem mais tem capacidade contributiva — foi derrubado sob a justificativa de evitar impactos sobre o “mercado” e o “ambiente de negócios”. Para o governo, no entanto, a narrativa do equilíbrio esconde a real motivação: manter os privilégios intactos.
O jantar, então, soa como comemoração de uma vitória da elite sobre uma proposta de redistribuição mínima de sacrifícios. Estavam lá banqueiros, executivos de multinacionais, representantes de hospitais de ponta e empresários dos setores mais beneficiados por isenções fiscais — os mesmos que, sistematicamente, conseguem escapar das obrigações que recaem com força sobre a classe média e os mais pobres.
João Doria, em seu discurso, chamou Motta de “herói do Brasil”. Mas herói de qual Brasil? O das torres envidraçadas da Faria Lima, que celebram qualquer revés de uma política fiscal mais progressiva? Ou o Brasil das filas no SUS, dos juros abusivos no crédito pessoal, dos impostos embutidos no arroz e feijão?
Não se trata de negar a legitimidade do encontro — alianças políticas e articulações fazem parte do jogo democrático. Mas há algo emblemático (e simbólico) quando, após o Congresso barrar uma medida que buscava equilibrar um pouco o jogo tributário, as figuras mais poderosas do capital se reúnem, com taças erguidas, para homenagear justamente quem liderou essa oposição.
É nesse tipo de imagem — um Brasil dos que mandam brindando à vitória contra uma política de justiça fiscal — que o governo se apoia para dizer: não é resistência técnica, é resistência de classe. E essa narrativa, embora incômoda para os presentes ao jantar, ecoa com força nas ruas e nas periferias.
O país segue debatendo sua reforma tributária, mas, enquanto isso, os movimentos e jantares que acontecem fora do Congresso dizem muito sobre quem está, de fato, vencendo essa disputa.