Governo Trump tenta endurecer o jogo comercial, mas recua discretamente ao poupar itens-chave como eletrônicos, fármacos e minério de cobre — e ainda pode aliviar para café e carne
A partir do próximo 1º de agosto, o governo dos Estados Unidos passará a aplicar uma tarifa extra de até 50% sobre produtos brasileiros. A medida, parte da política de “tarifas recíprocas” da nova gestão Trump, foi anunciada com discurso duro e promessa de retaliação comercial. Mas a prática revelou um movimento mais estratégico e cuidadoso: os principais produtos de interesse americano ficaram de fora da cobrança extra.
De acordo com documentos oficiais da USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), estão isentos da nova tarifa:
- Smartphones, laptops e componentes eletrônicos
- Produtos farmacêuticos e insumos médicos
- Minérios e sucata de cobre
- Combustíveis e derivados de petróleo
- Produtos de madeira e minerais estratégicos
- Automóveis e aço, já tarifados por outras regras
A justificativa oficial para essas isenções gira em torno de sobreposições com tarifas anteriores e da “importância estratégica” desses itens. Mas a mensagem é clara: Trump decidiu preservar setores que impactam diretamente o consumo e a indústria dos próprios EUA.
Café e carne: ainda na mira, mas podem escapar
Dois produtos emblemáticos da pauta exportadora brasileira — café e carne bovina — constam entre os que poderiam ser atingidos pela nova tarifa. No entanto, segundo fontes ligadas ao setor e à diplomacia comercial, o governo Trump ainda estuda formas de excluí-los da cobrança de 50%, com base em critérios de necessidade interna e pressão de importadores americanos.
Empresas do ramo de alimentos e redes varejistas vêm pressionando o governo norte-americano para que o café brasileiro, essencial na cadeia de suprimentos de torrefadoras dos EUA, não seja encarecido. O mesmo ocorre com a carne bovina, que tem grande peso na reposição de estoques, especialmente após quebras de safra e secas no interior dos EUA.
Se confirmada a exclusão, café e carne se juntarão à lista dos “intocáveis” — produtos que, mesmo em meio à retórica de guerra comercial, ficam blindados por interesse econômico direto dos Estados Unidos.
Um recuo técnico que parece pragmático — mas soa como “arrego”
Enquanto sustenta a narrativa de firmeza contra o Brasil, Trump parece esculpir com cuidado uma tarifa que não doa no eleitorado americano. A estrutura montada permite que o presidente atue com pose de retaliador, ao mesmo tempo em que recua de maneira silenciosa — sem admitir isso publicamente.
Na prática, o governo americano encontrou uma forma de “arregar” sem dizer que estava arregando. Deixou intactos justamente os setores mais sensíveis do ponto de vista econômico e popular, e desenhou uma taxação que atinge mais o discurso do que a balança comercial.
Reação brasileira e impacto real
O Itamaraty emitiu nota lamentando a decisão “unilateral e desequilibrada” dos Estados Unidos, mas evitou anunciar medidas de retaliação imediatas. O Ministério da Agricultura monitora com atenção a situação do café e da carne, esperando que os dois produtos sejam oficialmente poupados da tarifa nos próximos dias.
Especialistas apontam que, embora a tarifa tenha potencial simbólico, seu impacto econômico será limitado — principalmente se as isenções forem mantidas e ampliadas. O Brasil, por enquanto, adota postura de cautela, à espera dos desdobramentos finais.
Análise: Trump, mais uma vez, opta por jogar para a plateia. Anuncia tarifa, promete pressão, mas preserva justamente os produtos que os EUA não podem se dar ao luxo de perder ou encarecer. Com isso, constrói a imagem de líder firme, mas administra com cuidado o impacto doméstico. O resultado? Uma tarifação que parece forte, mas revela um recuo disfarçado de coragem — ou, em outras palavras, um “arrego político” maquiado de estratégia.