Em 1948, a poeta baiana Jacinta Passos foi presa e condenada por pichar um muro com uma única palavra: “Liberdade”. Acusada de subversão, ela apodreceu na cadeia até morrer, em 1973, sem perdão ou revisão de sua sentença.
Em 2024, Débora dos Santos, ré do 8 de janeiro, teve sua prisão relaxada pelo STF após se declarar arrependida pela invasão aos Três Poderes.
As duas histórias, separadas por 76 anos, expõem uma pergunta incômoda:
Se Débora dos Santos tivesse feito o que fez em 1964, ela estaria viva hoje?
Jacinta: Uma Palavra de Protesto, Uma Vida Destruída
Militante comunista e feminista, Jacinta Passos não quebrou vidraças, não invadiu prédios públicos, não agrediu ninguém. Seu “crime” foi escrever “Liberdade” em um muro durante o governo Dutra.
Presença marcante nos círculos literários de esquerda, ela foi considerada perigosa por um Estado que não tolerava dissidência. Seu fim? Morte na prisão, sem julgamento justo, sem direito à defesa, sem clemência.
Débora: Invasão, Depredação e… Perdão?
Débora dos Santos participou de um dos maiores ataques à democracia brasileira recente: a invasão do Congresso, do Planalto e do STF em 8 de janeiro de 2023. Mesmo assim:
✅ Teve prisão preventiva revogada
✅ Recebeu liberdade condicional
✅ Foi considerada “arrependida”
Seu crime foi infinitamente mais grave do que o de Jacinta, mas sua punição foi infinitamente mais branda.
O Exercício Histórico: E Se Débora Fizesse Isso em 1964?
Vamos imaginar:
🔴 Cenário 1: Débora invade o Congresso em plena ditadura militar.
- Provável desfecho: “Desaparecimento” nas celas do DOPS, talvez um corpo jogado em uma vala comum.
🔴 Cenário 2: Débora depreda o STF nos anos de chumbo.
- Provável desfecho: Tortura até a delação, seguida de execução sumária.
🔴 Cenário 3: Débora pede perdão aos generais.
- Provável resposta: Risadas e mais tortura.
Nenhum militar daria a ela o benefício da dúvida. Nenhum tribunal de exceção aceitaria seu “arrependimento”.
Por Que Isso Importa Hoje?
O paralelo entre Jacinta e Débora escancara:
1️⃣ O Estado brasileiro só é brando com certos crimes – hoje, ataques à democracia podem ser “perdoáveis”, mas nos anos de chumbo, um grafite era sentença de morte.
2️⃣ Quem define quem é “inocente arrependido” é o poder vigente – Débora se beneficiou de um sistema que Jacinta nunca conheceu.
3️⃣ A democracia, mesmo falha, ainda é menos cruel que a ditadura – mas isso não apaga o fato de que justiça seletiva ainda existe.
Conclusão: O Preço da Liberdade Ontem e Hoje
Jacinta Passos morreu por uma palavra. Débora dos Santos foi perdoada por uma invasão.
A pergunta que fica não é sobre se Débora merecia ou não clemência, mas:
Quantas Jacintas Passos o Brasil deixou morrer sem nunca dar uma segunda chance?
Enquanto alguns têm o privilégio do perdão, outros viram apenas o fim da linha.