Ao tentar minimizar o impacto de seu “estudo de situação”, general Mário Fernandes afirma que rasgou o documento logo após imprimir. Mas escutas da PF revelam que o conteúdo circulou entre militares radicais.
A confissão do general da reserva Mário Fernandes sobre a autoria do plano que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes — batizado de “Punhal Verde e Amarelo” — está longe de encerrar o caso. Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), Fernandes afirmou que o texto era apenas um “exercício mental”, um “pensamento digitalizado” escrito por conta própria e que teria sido rasgado logo após a impressão. Acontece que esse discurso se choca frontalmente com provas robustas obtidas pela Polícia Federal.
Interceptações telefônicas realizadas pela força-tarefa da PF revelaram que membros das Forças Especiais do Exército, conhecidos como “kids pretos”, discutiram detalhes do plano com exatidão compatível com o conteúdo do documento que Fernandes alega ter descartado imediatamente. Em uma das conversas, um dos interlocutores menciona a estratégia de atentado contra autoridades e o uso de armas de grosso calibre — exatamente como descrito no texto elaborado pelo general.
A pergunta inevitável: se o general escreveu, imprimiu e rasgou — como diz — como então militares da ativa estavam comentando o conteúdo do plano semanas depois?
Ou o documento circulou, contrariando a versão do próprio autor, ou houve algum tipo de vazamento em níveis ainda não esclarecidos. Em qualquer um dos casos, a linha de defesa baseada na tese de “devaneio solitário” começa a ruir.
Fernandes tentou convencer o STF de que não compartilhou o plano com ninguém. A PF, porém, já havia rastreado impressões feitas no Palácio do Planalto em novembro e dezembro de 2022 — justamente nas datas que coincidem com o auge da movimentação golpista no entorno de Jair Bolsonaro, então presidente derrotado. Além disso, Fernandes não é uma figura qualquer: general das Forças Especiais, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência e articulador ativo no núcleo estratégico do golpe, conforme a investigação da Operação Contragolpe.
O plano “Punhal Verde e Amarelo” previa o uso de substâncias químicas, metralhadoras, lança-granadas e monitoramento dos alvos — elementos incompatíveis com um simples rascunho analítico. Trata-se de uma proposta de atentado político de alto impacto, escrita por um oficial superior, dentro do Palácio, em um contexto de instabilidade institucional.
A versão apresentada por Fernandes é conveniente: isola a autoria, livra aliados e tenta qualificar o conteúdo como exercício especulativo. No entanto, a realidade imposta pelas provas técnicas mostra outra coisa: o plano existiu, foi comentado e mobilizou pessoas com treinamento militar especializado. Não se trata de um delírio de um general em fim de carreira — é um alerta gravíssimo sobre o quão próximo o país esteve de uma ruptura sangrenta.
Se o plano era secreto e descartado, como foi parar nas mãos e nos fones de militares radicais? Essa é a pergunta que o general, e talvez outros réus, ainda terão de responder com mais do que metáforas sobre “pensamentos digitais”.