O ex-presidente ainda classificou os apoiadores que acamparam na frente dos quartéis pedindo intervenção militar de “MALUCOS”
No segundo dia de depoimentos no Supremo Tribunal Federal, Jair Bolsonaro apresentou uma versão de si mesmo que surpreendeu até os mais atentos observadores da política nacional — e, principalmente, expôs ao constrangimento boa parte de sua base mais fiel.
Diante do ministro Alexandre de Moraes, o ex-presidente adotou uma postura contida, cuidadosa e até submissa. Em certo momento, pediu desculpas. Sim, Bolsonaro pediu desculpas. O gesto, inédito vindo de quem sempre se vangloriou da retórica agressiva, da recusa ao recuo e do confronto direto com o próprio STF, foi interpretado por muitos como um sinal claro: medo de ser preso.
Mas o ponto mais emblemático foi sua fala sobre os acampamentos diante dos quartéis. Segundo Bolsonaro, “malucos” pediam intervenção militar — uma frase que joga luz inclemente sobre milhares de brasileiros que passaram semanas acampados em frente a unidades do Exército, acreditando que estavam em sintonia com o desejo do então presidente. Esses manifestantes, muitos dos quais vestindo verde-amarelo e entoando orações em frente aos blindados, agora são tachados pelo próprio líder que idolatravam como figuras radicais, fora da realidade.
O paradoxo é evidente: o homem que passou meses insuflando dúvidas sobre o sistema eleitoral, criticando as urnas e sem jamais repreender os pedidos de ruptura institucional, agora tenta se dissociar dos efeitos de seu discurso. Mais do que isso, se coloca como alguém que “desabafava” com militares, mas que sempre respeitou os limites da Constituição — uma versão que contrasta com os áudios, vídeos, falas públicas e, sobretudo, com as ações (ou omissões) do 8 de janeiro.
Para seus apoiadores mais radicais, o depoimento desta terça foi um balde de água fria. O Bolsonaro que enfrentava “o sistema” virou um réu cauteloso, que evita conflito, nega conspirações e tenta se distanciar de qualquer traço de golpismo. A “minuta do golpe”? Nunca viu. O relatório das urnas? Só queria transparência. Os planos de ruptura? Coisa de terceiros.
É possível que o ex-presidente esteja jogando o jogo da sobrevivência política e jurídica. Mas ao fazê-lo, ele se afasta do personagem que criou para si e que sustentou boa parte de seu capital popular. A questão agora é: seus seguidores mais leais continuarão fiéis ao Bolsonaro que pede desculpas e chama seus próprios apoiadores de “malucos”?